Biombo Escuro

25º Festival do Rio 

Perfect Days

por Tiago Ribeiro

10/10/2023; Imagem: Festival do Rio

Dias de Silêncio

O cineasta alemão Wim Wenders lançou no Festival de Cannes desse ano sua nova ficção, Perfect Days, que o levou a filmar no Japão e trabalhar com atores nipônicos, em uma meditação que circunda a vida de um homem solitário e silencioso que trabalha como zelador de banheiros em Tóquio. O protagonista é Hirayama, vivido por Kōji Yakusho, que venceu o prêmio de melhor ator em Cannes. 

Wenders parece interessado em fazer um estudo da poética a ser desvelada na rotina de um trabalhador, explorando a temporalidade da repetição através da recorrência de lugares, situações e ocasiões. Decupar os rituais de Hirayama ao acordar aproxima a linguagem do filme do comportamento de seu protagonista. Metódico e concentrado, preocupado com o bem estar de suas plantas e com estar no serviço a tempo hábil. Toda essa construção remete à Paterson, de Jim Jarmusch, filme que similarmente se vê caminhando junto de um trabalhador que exerce uma função banal e repetitiva, no caso de Paterson um motorista de ônibus, mas que vive multitudes dentro de sua rotina. 

Hirayama demonstra uma profunda paixão pela música de Lou Reed e pelos hábitos de um mundo analógico que se esvaece. Aqui Wenders trabalha com uma das obsessões de sua filmografia, as estradas e os entrelugares, com sequências em que seu protagonista conduz sua van azul cheia de químicos para a limpeza de banheiros através da megalópole japonesa, enquanto ouve canções como "Pale Blue Eyes" do Velvet Underground, reproduzida em seus cassetes antigos. 

Interessante também observar como um diretor se adequa às distinções arquitetônicas e comportamentais de um país estrangeiro, absorvendo toda uma noção de visualidade que pertence a cada lugar, incorporando ao seu cinema, por conseguinte, práticas e noções da tradição cinematográficas que nasceram desse modo de ser. Trabalho similar foi feito por Abbas Kiarostami em Um Alguém Apaixonado, incorporando seu próprio ethos de cinema a esse contexto tão distinto dos que habitam seus filmes. Nesse caminho, a atenção que Perfect Days têm às estruturas futuristas dos banheiros de Tóquio conjura complexas exploração visuais, e muita comicidade diante do mundo que se apresenta a Hirayama. Daí vão as anedotas que testemunha do seu colega de trabalho Takashi, um slacker falastrão que divide a atenção entre a limpeza de vasos sanitários e de seu celular, até a recorrente aparição de um morador de rua que faz movimentos de artes marciais. 

Mas é na dilatação do tempo através da recorrência de ações que Wenders mais prospera em Perfect Days. Algo que não é feito através de planos longos e da ausência de montagem, como no cinema de Tsai Ming-Liang, mas com uma certa familiaridade e lentidão gerados pela montagem, que ecoa o temperamento de seu protagonista silencioso. O mundo acontece à volta, e Hirayama para para escutá-lo, para responder a ele não com palavras, mas com admiração pela distinção de cada momento que se apresenta. Seu deslumbre solitário revela uma profunda admiração por esse mundo que testemunha.

Perfect Days sonha e sente junto de Hirayama, com montagens de sonhos em preto e branco, que nos levam aos fragmentos de seu subconsciente. Alguns personagens são introduzidos para trazer novas dimensões dramáticas, mas essas sequências soam fora de lugar diante do sentimento predominante que perpassa todo o filme.

Sendo assim, Wenders marca seu retorno ao Japão, após seu documentário Tokyo-Ga, com uma das ficções mais distintas de sua carreira, empregando suas ideias de cinema em um contexto completamente deslocado dos mundos gigantes e das estradas pelos quais seus filmes se tornaram notórios.