Biombo Escuro

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John Wick 4: Baba Yaga

por Tiago Ribeiro

24/03/2023; Foto: Divulgação

A opção descompromissada de jogar

O estigma que carregam as franquias tem crescido exponencialmente, como verdadeiros colossos da indústria moderna. Filmes que se acumulam em cima de filmes, tendo que dar conta de todos os caminhos escolhidos, plot twists espalhafatosos e lore cada vez mais distendido. É uma extensa bibliografia que dialoga consigo mesma, que tende a tornar o lastro de uma nova iteração bastante grande.

Muito mais interessante parece ser a opção de jogar com um descompromisso com qualquer sequencialidade, qualquer senso de lógica interna excessiva. Interessa mais levar as operações da franquia a lugares cada vez mais distantes, de uma forma que a renove de iteração em iteração. Parece ser o caso da franquia que estrela Keanu Reeves, com "John Wick 4: Baba Yaga", que acrescenta novas fórmulas e variáveis a uma receita que já era bastante divergente dentro do panorama moderno de ação comercial.  

E é interessante observar principalmente como os filmes tornaram-se distintos entre si. Se em "John Wick - De Volta ao Jogo" têm-se uma sensação mais imediatista de realismo e um senso estético mais obscuro, no tempo de "John Wick 3: Parabellum", essas ideias já tinham sido descartadas em troca de outras, mais comprometidas com uma ficção extravagante do que com um senso de verossimilhança. E é nessa esteira de uma sensibilidade diferente para a ação, mais aquém com tradições cinematográficas externas as estadunidenses, que "John Wick 4: Baba Yaga" consegue elevar a franquia a maiores proporções. 

O protagonista da franquia mais uma vez enfrenta a perseguição de assassinos da Alta Cúpula, que elevam a recompensa por sua vida em proporções crescentemente exageradas, na casa das dezenas de milhões de dólares. Essas cartadas cartunescas com a qual Chad Stahelski joga, construindo um filme essencialmente anti realista, no qual a ação opera em uma dimensão diferente. A sequência do hotel em Osaka assume essa característica plástica, com passagens diferenciadas em cores neons chamativas e com uma ação caleidoscópica que toma parte em uma espécie de relicário. Estão presentes as quedas de jiu jitsu que estamos acostumados a ver na franquia, e uma coreografia que dialoga profundamente com os movimentos de câmera e o senso de espaço criado pela fotografia de Dan Laustsen. 

As virtudes da fotografia se mostram em diversas outras sequências. Em certo momento das cenas que tomam parte em Paris, a câmera se move em um zenital que atravessa as separações entre os cômodos, enquanto Keanu Reeves se desloca por esse espaço com tiros que destroem as paredes. Essa perspectiva de cima remete à uma lógica gamificada, similar à de jogos como Hotline Miami, em que se tem uma visão geral da ação. 

Os antagonistas dessa vez assumem caricaturas descaradas, mas que funcionam dentro da lógica já fantástica assumida pela franquia. O assassino cego Caine, interpretado pelo lendário Donnie Yen, assume o papel de um rival à altura da estatura de John Wick, atuando em cenas que exploram todo o imaginário de filmes Wuxia que o ator carrega. A familiaridade que temos com alguns personagens também é uma virtude da franquia, sempre inventando novas frases de efeito para Bowery King, personagem de Laurence Fishburne. 

Chad Stahelski parece bastante à vontade em uma auto indulgência de referências estéticas e modos de operação cinematográficos distintos. A lei do dia é jogar o máximo possível, e "John Wick 4: Baba Yaga" parece comprometido com o descompromisso de explorar os limites da ficção, jogando com as proporções e com uma tensão tão especial ao cinema de ação.

Tiago ribeiro

Editor, Redator e Repórter

Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.