Biombo Escuro

Estreias da Semana

Não! Não Olhe!

por Guilherme Salomão

21/08/2022; Foto: Divulgação

A grandiosidade que fortifica a autoria de Jordan Peele

Popularizada na França dos anos 50, a teoria do chamado “Cinema de Autor” (ou “Filme de Autor”), que se fez cada vez mais pertinente e valorizada ao longo da história da sétima arte, observa que determinados filmes refletem um estilo artístico próprio de seus realizadores. Em outras palavras, alguns cineastas podem ser considerados “autores” por possuírem um domínio do processo criativo de suas obras, que resulta, consequentemente, em escolhas estilísticas características, tornando possíveis associações diretas entre longas-metragens e as principais mentes criativas por trás de sua realização.

A partir dessa observação, e de um olhar para a autoria na indústria cinematográfica contemporânea, torna-se possível aferir que o roteirista e diretor Jordan Peele vem cada vez mais sedimentando seu nome como o de um dos grandes autores cinematográficos da atualidade. Após o sucesso de “Corra!” (2017), seu longa-metragem de estreia, que lhe rendeu um Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original em 2018, e de “Nós” (2019), Peele chega esse ano aos cinemas com “Não! Não Olhe!”, onde acompanhamos a história dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer), donos de um rancho de cavalos que, após uma série de eventos misteriosos, se veem em um conflito direto contra uma ameaça extraterrestre que habita os céus e deixa rastros de destruição por onde passa.

Em linhas gerais, o terceiro longa-metragem do diretor segue pelos mesmos caminhos lógicos de “Corra!” e “Nós”. Em termos de estrutura, o desenrolar narrativo se estabelece a partir de um quebra-cabeça de acontecimentos enigmáticos, que se desenrolam até a eclosão de uma situação hostil. Pela ótica dessa autoria cada vez mais fortalecida de Peele, estamos diante de uma história predominantemente de Terror, assim como na supracitada dupla de antecessores diretos de sua filmografia, em que prevalecem a criatividade das ideias originais do diretor e roteirista e o equilíbrio competente entre o horror propriamente dito, o drama, o humor e os comentários com ares de ativismo político-social ácidos, também já uma marca registrada de suas produções.

Vale ressaltar, entretanto, que em “Não! Não Olhe!” Jordan Peele decide ir um tanto quanto além disso, optando por encorpar sua nova realização com uma dose de ficção-científica. Porém, sem se preocupar com explicações em demasia ou embasamentos teóricos complexos. Uma escolha pertinente, tendo em vista suas intenções autênticas de construir o terror da obra em torno do mistério das situações, gerando questionamentos e numerosos debates posteriores entre os espectadores ao invés de didatismos óbvios e cansativos. É importante evidenciar, no entanto, que aqui, por meio de um roteiro estruturado de forma episódica, o desenrolar dos acontecimentos é consideravelmente menos direto que nos outros longas de Peele, o que faz com que o ritmo da projeção pareça prejudicado por certos excessos em determinados momentos.

De qualquer forma, é na sua parcela final em que o longa-metragem se prova um acerto, com o talento do realizador para a imersão da audiência na história sendo mais uma vez extremamente eficiente. Por meio da decupagem já tradicional do cineasta norte-americano, o desenrolar apreensivo dos fatos é elaborado em planos sequência dinâmicos e fluidos, alternados com takes de câmera mais estável, onde os elementos da mise en scène, muito bem calculados para proporcionar frames impactantes para a audiência, se sobressaem mais uma vez. Além disso, como estamos diante de uma ameaça “vinda dos céus”, salienta-se como a direção acerta em estabelecer sua presença intimidadora pela utilização inteligente dos ângulos de câmera em Plongées e Contra Plongées, por vezes extremos, e fortalecendo essa sensação impositiva principalmente com o uso de closes, que mais uma vez captura com excelência as emoções do seu elenco.

Sendo assim, sobretudo dada a escala dos acontecimentos do clímax, a autoria de Jordan Peele ganha uma grandiosidade notável. Possível de ser tratado apenas como um bom filme de terror e ficção-científica, “Não! Não Olhe!” é também enriquecido pelas possibilidades de interpretações variadas, como os comentários sutis à relegação da importância de figuras negras na história, a exploração dos animais pela indústria do entretenimento, fazendo conexão com os primórdios do Cinema por meio do seminal experimento com imagens em movimento de Eadweard Muybridge, e a sociedade do espetáculo como um todo, sejam esses circenses ou os registros audiovisuais e cinematográficos no geral. Em suma, essa é mais uma realização notável de um dos maiores nomes contemporâneos do terror cinematográfico estadunidense e do mundo.


Guilherme Salomão

Redator

Guilherme Salomão é Social Media, Produtor Audiovisual, Colunista e Criador de Conteúdo digital apaixonado por Cinema, Música e Cultura Pop. Administrador por formação, onde foi autor do TCC “O Poder da Marca no Cinema: O Caso Star Wars de George Lucas”, ele também estudou Produção Audiovisual na Academia Internacional de Cinema.