Biombo Escuro

25º Festival do Rio 

Othelo, o Grande

por Guilherme Salomão

15/10/2023; Imagem: Festival do Rio

O reflexo sociocultural na figura de Grande Otelo 

“Até hoje a gente quer saber como aquele cara baixinho, negro, que não era nenhum Clark Gable, conseguiu criar tanta coisa boa e nos deixar a herança que ele nos deixou”. Foi com essa fala emocionada que um dos filhos de Grande Otelo apresentou a sessão de Première de “Othelo, o Grande” na 25ª edição do Festival do Rio, onde o filme concorre ao prêmio de Melhor Documentário. 

Figura histórica do cinema brasileiro, Grande Otelo (alcunha de Sebastião Bernardes de Souza Prata), que faleceu aos 78 anos em 1993, construiu uma carreira de riqueza singular, em que além de ator, também foi cantor, compositor e comediante. Alcançar, diante dessa magnitude, uma reposta exata para o questionamento do primogênito talvez seja uma tarefa complicada. 

Sejam elas dramas ou documentários, muitas vezes obras cinematográficas pensadas para celebrar figuras históricas atingem resultados genéricos. O longa “Meu Nome é Gal”, por exemplo, cinebiografia da histórica cantora brasileira também selecionada para o Festival do Rio, se provou incapaz de ultrapassar da superfície ao abordar a personalidade de Gal Costa e o contexto político de sua ascensão artística. E é nesse contexto que o maior mérito de um filme como “Othelo: O Grande” não vem a ser uma abordagem (ou resposta) óbvia e superficial para a importância do mesmo. 

Feito inteiramente a partir de imagens de arquivo, no decorrer do longa assinado por Lucas H. Rossi dos Santos, a montagem alterna entre entrevistas, como a do programa Roda Viva, fotos e cenas de produções das mais variadas estreladas por Grande Otelo. Aqui, a trajetória do artista não só ilustra questões raciais estruturais do Brasil como também esclarece que em alguns dos momentos mais importantes da história do cinema brasileiro lá estava a figura de Otelo, com um carisma e talento que sempre o alçavam ao status de protagonista. 

Da visita de Orson Welles ao Rio de Janeiro, até as chanchadas da produtora Atlântida, nas quais fez história ao lado de Oscarito, Otelo também esteve em filmes seminais como “Rio, Zona Norte” (1958) e “Macunaíma” (1969). Todos esses ganham depoimentos de Otelo, que carregava consigo histórias que até ultrapassaram os limites da sétima arte nacional- como na divertida sequência em que o ator conta como foi trabalhar com o cineasta alemão Werner Herzog em seu longa “Fitzcarraldo” (1982). 

Assim, para além do tributo digno à sua vida e obra, “Othelo, o Grande” estabelece de forma carinhosa um diálogo entre a figura ímpar de Otelo e a história do cinema brasileiro e da nossa realidade sociocultural como um todo, mostrando como um acaba sendo um rico reflexo do outro. Muito mais que um ator e comediante, Otelo é o cinema. O cinema é Otelo. E esse foi um dos mais brasileiros dos brasileiros.