Biombo Escuro

Estreias da Semana

Morte. Morte. Morte.

por Tiago Ribeiro

05/10/2022; Foto: Gwen Capistran

O simulacro do "E não sobrou nenhum"

O gênero de terror é marcado por milhares de fórmulas e receitas, que de certa forma, compõem a gramática através da qual são construídos. O filme de horror tornou-se já uma commodity de produções comerciais de Hollywood, sendo comum a sensação de que talvez tudo já tenha sido feito dentro do escopo desse gênero. Apesar disso, clichês e repetições deixam de importar, são perdoados e abraçados por ser justamente o que os tornam identificáveis, familiares. Em uma busca por retrabalhar os códigos dessa linguagem está Morte. Morte. Morte.(2022), novo filme da diretora holandesa Halina Reijn. Controlados pelas luzes esparsas de celulares que a diretora utiliza para nos revelar seus segredos, somos convidados a jogar um jogo junto com os personagens, e a descobrir quem é o culpado por isso tudo.

Trabalhando com um elenco composto majoritariamente de jovens adultos, premissa algo similar a de O Segredo da Cabana(2012) e de tantos outros filmes do gênero, Reijn constrói uma dinâmica marcadamente ficcional com seus jovens que ficam presos em uma mansão afastada do mundo devido a um furacão que se aproxima. Os jovens se engajam com atividades bastante usuais para o hedonismo de suas juventudes, como o uso de drogas e o ato de abrir garrafas de champanhe com espadas exóticas. Em certo momento, eles resolvem começar a jogar Morte. Morte. Morte., um jogo que envolve descobrir quem dentre os jogadores é o assassino.

Essa ideia de se jogar um jogo causa uma ruptura dentro da diegese do filme, e a partir daí percebe-se para onde estamos sendo levados. Se o trabalho com o universo ficcional de um filme não passa de um jogo do autor com a audiência, então Reijn opta por introduzir seus próprios personagens a esse jogo, manuseando-os como peças, eles próprios acreditando que estão dentro de um filme de terror. E a audiência é convidada a discernir entre essas duas dimensões presentes no filme, a psicológica dos personagens, e a do discurso fílmico criado por Halina Reijn. Isso torna o desenrolar da história sangrenta e misteriosa tão mais interessante, visto que cada detalhe das performances mostrado pode ser uma pista da solução desse jogo. Este mote, bastante popular e utilizado pela escritora britânica Agatha Christie em "E não sobrou nenhum", move e retroalimenta o filme, na medida em que convida o olhar do espectador à investigação.

Trabalhado engenhosamente com essas propostas, Reijn complexifica e enriquece muito ao trabalho que faz com os códigos "clichês" do gênero terror. De certo modo, na ruptura da diegese pelo jogo, somos postos em posição similar ao dos personagens de Morte. Morte. Morte., que são igualmente familiarizados com como essas histórias costumam se desenrolar na ficção. E eles reagem baseado nisso, em meio às intempéries e tragédias que se sucedem. E a audiência, perfeitamente ciente do axioma do filme, é convidada a sentir o temor junto daqueles que o estão vivendo, tomando caminhos e fazendo presunções.

Tiago ribeiro

Editor, Redator e Repórter

Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.