Biombo Escuro

12º Olhar de Cinema

No Cemitério do Cinema

por Tiago Ribeiro

20/06/2023, Foto: Olhar de Cinema


Encontrando vida em filmes

Escrito por Miguel de Cervantes no início do século XVII, a história de Dom Quixote de la Mancha tornou-se um dos contos literários mais difundidos no escopo da modernidade, servindo como alegoria para inúmeras adaptações nas mais diversas expressões artísticas. A figura de Dom Quixote tornou-se um arquétipo para aqueles que escolhem batalhas grandes demais para qualquer ser humano. 

Um desses quixotes modernos é o cineasta Thierno Souleymane Diallo, originário da Guiné e responsável pela realização de "No Cemitério do Cinema", filme exibido como parte da Mostra Competitiva Internacional do 12º Olhar de Cinema. Um filme incisivo e pessoal, cujo protagonista é seu próprio diretor.

O grande problema é o sucateamento profundo que sofre toda memória da Guiné, país que sofreu com a colonização francesa e com regimes totalitários que controlavam tudo que chegava até o grande público. Diallo encarna um herói errante, cinema-pessoa, que carrega o boom como sua lança e sua filmadora como um escudo, sempre com os pés descalços e na procura da genealogia cultural cinematográfica da Guiné.

Em sua busca, Diallo explora as diversas formas com as quais o cinema mitificou seu país, entrevistando camelôs que dublam filmes de Bollywood com programas de computador e cavando documentos sobre registros antigos de exibições nos esparsos cinemas que exibiam filmes no passado. Ele acaba por se deparar com documentos que falam sobre Mouramani, um filme que possivelmente seria o primeiro realizado por um cineasta de sua própria terra.

Mas o caminho é árduo, cheio de pontas soltas e ruas sem saída. As sinopses escritas de Mouramani eram, por vezes, diferentes, o que faz com que se questione se o filme de fato existiu. Mas como um arqueólogo de nitrato de celulose, Diallo viola antigas latas de filmes à procura dessa raiz primeira, olhando para os fotogramas em busca de algo que sobrou desta memória prestes a ser apagada.  

Todos os caminhos levam a França, onde supostamente se preservaram grande parte dos filmes realizados de países Africanos que sofreram com os processos colonizatórios empregados por eles. Diallo muda sua indumentária, mas permanece com os pés descalços, indo para um país tão distinto daquele onde nasceu.  

Sentimos a dor de quando um filme só permanece como papel, como documento, tendo sua essência perdida e só podendo ser compreendido pelo reflexo das palavras. Diallo evoca sua paixão pelo cinema através de sua jornada, como personagem principal que simboliza à recusa ao esquecimento, e que nos transmite a importância da preservação audiovisual.