Biombo Escuro

25ª Mostra de Tiradentes

A felicidade das coisas

por Alberto A. Mauad

23/01/2022; Foto: Divulgação

 O hiato familiar em suas metamorfoses completas

Bem curioso como o novo filme da Thais Fujinaga assume como seu mote seguro e cabal a mesma premissa que a Luiza Furtado esclareceu no site sobre a obra de Júlio Bressane, Capitu e o Capítulo (2021). Em A Felicidade das Coisas (2021), tais hiatos nas relações familiares são apenas uma consequência de uma ausência gritante e agressiva presente em cada canto do longa, causando um sentimento de desolação terrível nos seus protagonistas, ambientes e até mesmo na composição da própria imagem cinematográfica.

Para quem já está familiarizado com as produções da Filmes de Plásticos, a película em questão se encontra em um local bem confortável dentre as suas realizações – Temporada (André Novais Oliveira, 2018); No Coração do Mundo (Gabriel Martins e Maurílio Martins, 2019); etc. Isto pois, aqui, se trata novamente em envolver um drama abrasileirado típico em um naturalismo exacerbado composto em alguns ingredientes da sua mise-en-scène.

Contudo, em parte, isso acaba sendo uma contradição com a própria proposta do filme, uma vez que Fujinaga sugere uma busca constante e estrutural por cada plano grandiloquente, que possa representar esta falta avassaladora na tela - seja no quadro que expõe a piscina gigante em oposição às pessoas, ou na própria analogia mais direta sobre a figura do pai. Sendo assim, essa decupagem evidente, contemplativa e formalista, que mais parece ser usada para atrair uma forma e público mais internacional e de festivais, esgota-se rapidamente e contradiz diretamente com o minimalismo natural dos personagens, ambientes e situações ordinárias.

No entanto, uma repartição deste método, mesmo que discordante, alcança alguns estudos bastante interessantes sobre a imagem. A desorientação absurda causada durante a memorável cena da noite consegue ser exacerbadamente bem desenvolvida e aprofundada, por exemplo. Porém, de resto, muitas das cenas sugerem mais uma busca obstinada por expor sempre um hiato em qualquer zona que seja da película. Isso acaba não sendo cansativo, dado que se apropria talentosamente de uma estética atrativa, mas que é contraditória por essência.

Veja bem, acredito que se Temporada funcione, é porque o registro crônico dessa abordagem naturalista se instaura não atrás de planos mais impositivos, e sim de situações que estão mais preocupados em valorizar pequenos gestos cotidianos daquelas ocasiões comuns - podendo aí sim enunciar a ideia da ausência. Portanto, André Novais conquista uma produção que atinge uma brasilidade substancial na sua mise-en-scène.

Contudo, em certa medida, o filme de Fujinaga até me lembrou da cinematografia de Hong Sang-soo, principalmente em uma transparência mais direta e discrepante no hiato familiar, nas diferenças e, também, nas suas eventuais convergências geracionais entre os personagens que estão em tela. Desde a avó, à mãe, os filhos, e o feto ainda não nascido: “filho nasce descombinado mesmo”. O que acaba justificando uma escassez que, mesmo quando efêmero, sempre irá retornar em várias formas e níveis.

Em conclusão, A Felicidade das Coisas apresenta uma declaração sobre lacunas vazias pertinentes na sua unidade fílmica, mas cuja execução acaba sendo uma antítese entre elementos cinematográficos desde o seu primórdio. Por algumas sequências, tal método se torna um estudo aliciador. Entretanto, na maior parte do tempo, ele apenas realça estéticas particulares que nunca se assumem por completo, transfigurando-as, precisamente, como antagônicas.


Alberto A. Mauad

Redator

Estudante de cinema na PUC-Rio, redator do Biombo Escuro e cineasta. Tem interesse pelas áreas de linguagem, história e autorismo cinematográfico.