Biombo Escuro

Estreias da Semana

Paris, 13º Distrito

por Tiago Ribeiro

26/04/2022; Foto: Divulgação; Revisão: Maria Silveira

A modernidade do amor e das relações humanas na Paris em preto e branco de Jacques Audiard

Paris, 13º Distrito(2021), nova obra de Jacques Audiard, busca por temas da modernidade enquanto navega por três personagens bastante distintos. Os entremeios de vidas da juventude em Paris são compostos e preenchidos por um score excêntrico e ribombante, que rendeu ao filme o prêmio de Trilha Sonora em Cannes. Talvez seja justamente a música que amarra as histórias de Émilie, Camille e Nora, conforme eles lidam com seus problemas e barreiras pessoais. Há ecos de Eric Rohmer na forma como a câmera de Audiard procura pelas especificidades das relações e como elas são postas pelas performances. Temos portanto um naturalismo emotivo, que enxerga no encontro de gênios de seus personagens as questões pertinentes a seus mundos internos.

No encontro, os receios e paixões humanas florescem e tomam forma física. Camille é desapegado e tem dificuldades de se comprometer. Émilie é explosiva e intensa, levando uma vida de momentos passageiros enquanto trabalha em uma função que pouco tem a ver com o diploma que carrega. Nora lida com traumas do slut shamming que sofreu ao ser comparada por colegas de faculdade pela atriz pornô Amber Sweet. Esses três personagens se relacionam entre si, afetivamente ou puramente por sexo.

Noémie Merlant, conhecida por sua interpretação de Marianne em Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019), demonstra imensa profundidade psicológica como Nora. Principalmente quando sua personagem resolve dialogar diretamente com sua "dupla", a cam girl Amber Sweet, interpretada pela igualmente intrigante Jehnny Beth. Uma conversa que se dá através da mediação do digital localiza o filme no zeitgeist de profunda relação com as telas.

Lucie Zhang encarna Émilie Wong de forma bastante disruptiva, vivendo uma personagem perdida no mundo, que vive entre aplicativos de relacionamento e uso de MDMA em festas (que rende uma intrigante bad trip surrealista). A complexa relação de Émilie com Camille, personagem interpretado por Makita Samba, permeia todo o filme, conduzindo a narrativa do longa.

Encontrar resoluções para quebrar os ciclos toma tempo, e Audiard faz questão de evidenciar a passagem dos anos. A forma em que as performances são impactadas pelas mudanças trazidas pelo tempo remetem ao cinema de Mia Hansen-Løve. Autora de grandes filmes como Tudo Perdoado (2007) e Eden (2014), a francesa carrega como maneirismo a transição do tempo, que sempre impacta profundamente seus personagens. Amantes tornam-se amigos e, eventualmente, tornam-se memórias. Tudo vai se remodelando e adquirindo nova significação.

Em oposição a Ferrugem e Osso (2012), uma das obras anteriores de Audiard, Paris, 13º Distrito acerta os tons certos musicalmente e com suas performances. A teia que envolve esses três personagens é descolorida pela belíssima fotografia em preto e branco. A Paris que de Audiard é uma de relações passageiras e apartamentos alugados, cruzada pelo caminho necessário para se superar traumas e pelo impacto do tempo. É o cinema de Rohmer vivo e posto no ecrã digital do século XXI, com toda complexidade do amor e das relações humanas.


    Tiago ribeiro

    Editor, Redator e Repórter

    Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.