Biombo Escuro

Estreias da semana

A Fera

por Guilherme Salomão

12/08/2022; Foto: Divulgação

A ausência de brilho da sobrevivência como reconciliação familiar

No Cinema, histórias de monstros sempre foram um dos mais pertinentes meios para a exploração de críticas político-sociais e de temáticas referentes às relações humanas como um todo. Frankenstein (1931), adaptado do livro homônimo da britânica Mary Shelley, e o ser-humano como o verdadeiro “monstro”; King Kong (1933) e a ganância humana de resultados trágicos; Godzilla (1954) e o alarme as consequências do uso de armas nucleares; O Hospedeiro (2006) e a degradação ambiental por irresponsabilidade social- todos carregam consigo, em menor ou maior grau, alguma substância a mais em suas entrelinhas, que as transformaram em obras icônicas.

Dito isso, os estúdios Universal, que, ainda na década de 1930, época dos primórdios do cinema falado, se tornaram a casa dos tradicionais “Monstros da Universal” (dentre eles, o próprio Frankenstein e Drácula, ambos com adaptações lançadas em 1931) chegam agora a grande tela com A Fera, que traz o badalado Idris Elba como protagonista. A partir de um roteiro que preza pela simplicidade, acompanhamos a história de Nate, um pai de família cujo plano inicial de uma viagem com suas duas filhas a África sai de controle quando um leão, sobrevivente de caçadores ilegais, se torna em uma indomável fera em busca de vingança.

Por si só, os primeiros minutos de A Fera (ou até mesmo a mais simples das sinopses) já é capaz de situar o espectador em um dos temas possíveis de se extrair do longa-metragem: a caça ilegal de animais selvagens pelos homens, para venda no mercado negro, principalmente. Entretanto, a temática que permeia a narrativa aqui em específico com muito mais realce é a reconciliação de um pai e suas filhas após uma determinada tragédia familiar, onde o contexto da busca pela sobrevivência torna-se, então, o dispositivo narrativo alavancador dessa necessidade.

A ideia central é, portanto, bastante válida, e Elba, como o grande ator que é, entrega uma performance conveniente como um indivíduo em busca de redenção por seus próprios atos passados e reconexão com suas filhas. A partir do cenário inicial estabelecido, são bastante óbvios todos os desdobramentos que a história tomará, soando como um longa cujo um trailer já é demasiadamente revelador sobre o que o público pode aguardar da experiência total. A temática, por sua vez, é inserida sem muita sutileza, prezando por momentos mais sentimentais e clichês estabelecidos por meio de diálogos expositivos, que em certos momentos surgem de forma aleatória e desprovidos de sentido em instantes de ação.

Ainda assim, é na ação propriamente dita onde moram as qualidades de A Fera. Adotando uma encenação presa por uma linguagem extremamente fluida, o diretor Baltasar Kormákur investe em planos sequência longos, com poucos cortes, onde sua câmera movimenta-se constantemente pelos ambientes e aproxima os espectadores nos momentos mais intensos da ação, por meio de planos médios, mais fechados nos acontecimentos. Técnica essa que, por sua vez, funciona para o envolvimento e causa tensão, que é realçada por um bom design de som, que reproduz detalhadamente a sonoplastia tradicional das selvas africanas e ganha intensidade nas sequências dos ataques do Leão enfurecido.

No fim das contas, de qualquer forma, não há nada de muito novo ou notavelmente impactante e memorável no longa, o que é acentuado ainda mais por um clímax destoante de qualquer verossimilhança estabelecida pelos acontecimentos iniciais. Talvez essa não fosse a real intenção do longa, que pode agradar bastante os mais adeptos a experiências de entretenimento mais simples, desprovidas de muita profundidade. Porém, para uma outra parcela de espectadores, a técnica por si só talvez não seja capaz de evitar que A Fera soe como um exemplar de que a sobrevivência como meio de reconciliação familiar poderia ter rendido algo que não fosse esquecível.


Guilherme Salomão

Redator

Guilherme Salomão é Social Media, Produtor Audiovisual, Colunista e Criador de Conteúdo digital apaixonado por Cinema, Música e Cultura Pop. Administrador por formação, onde foi autor do TCC “O Poder da Marca no Cinema: O Caso Star Wars de George Lucas”, ele também estudou Produção Audiovisual na Academia Internacional de Cinema.