Biombo Escuro

Caravana Farkas

por Luiza Furtado

Havia na década de 1960 um desejo latente por parte de diversos cineastas voltado para a produção de documentários que se direcionassem para as questões sociais, antropológicas, culturais e religiosas do Brasil. A apreensão de que, caso certos retratos não fossem feitos a tempo, determinados costumes regionais viriam a sumir face à globalização ou a distintos e igualmente plausíveis fatores, sem nunca haverem sido devidamente resguardados e retratados para outras sociedades.

 

O intuito produtivo foi movido também pela chegada do aparelho Nagra ao território brasileiro, um gravador de som autônomo que permitia a captura de sons ambientes em simultaneidade com a gravação dos vídeos. Graças ao cineasta sueco Arne Sucksdorff, que veio ao Brasil através de um patrocínio da Unesco para conferir um curso de cinema em 1962, os gravadores foram trazidos.Era o início do cinema direto no país. Entrevistas, documentários e filmes tiveram, finalmente, suas imagens e falas sincronizadas automaticamente.

 

Embora a concepção de se elaborar filmes sobre a “realidade brasileira” seja uma aspiração quase desmedida, foi a partir dessa proposta que vinte documentários, das mais diversas abordagens possíveis, foram viabilizados durante o período de 1964-1969. Aqui o tamanho territorial do Brasil se torna um dos principais fundamentos para esse tipo de estudo cinético.Havia uma pretensão em informar os mais distintos públicos, e dos quais podem se encontrar em estados muito longínquos uns dos outros, sobre as características que ocorrem nos espaços que são remotos a si mesmos.

 

O movimento reuniu, com diferentes níveis de participação, múltiplos cineastas que se revezaram nas funções atribuídas à contemplação dos filmes. Thomaz Farkas foi o principal expoente para a viabilização dos filmes, e ajudou a financiar quase todos os filmes produzidos nesse período, tendo dirigido quatro deles. Outros integrantes de destaque foram Paulo Gil Soares, Maurice Capovilla, Manuel Gimenez e Geraldo Sarno.

 

Farkas nasceu em Budapeste em 1924, mas ainda pequeno sua família imigrou para São Paulo. Seu pai era sócio de uma loja de equipamentos de fotografia, e foi uma fonte de inspiração para que se projetasse em um trajeto similar. Thomaz começou a aprender a fotografar aos oito anos, função que continuou a aprimorar em toda sua vida, até assumir o posto do próprio pai na loja. Rejeitou o diploma de engenharia conquistado na faculdade e prosseguiu com seus próprios intentos até conhecer dois documentaristas argentinos, Fernando Birri e Edgardo Pallero, que lhe levariam indiretamente ao encontro de inúmeros outros jovens aspirantes à cinematografia que viriam a se unir pelos seus interesses em comum.

O primeiro filme produzido por Farkas e reconhecido pelo movimento foi Memória do Cangaço (1965), longa dirigido por Paulo Gil, esse último tendo sido o primeiro integrante do coletivo que confiou plenamente no interesse genuíno de Farkas pelo financiamento dos documentários. O filme buscava investigar a gênese do cangaço no Nordeste, a partir de depoimentos e entrevistas feitas com os novos dispositivos de gravação sonora. A partir desse momento, uma confluência de ideias foram esquematizadas pelo grupo, resultando em um engajamento e dedicação capazes de driblar os estorvos de sua época de feitura.

 

“Queremos saber de nossas origens, dos nossos vizinhos, semelhantes, conterrâneos, amigos, inimigos. O que fazem, onde moram, o que pensam, o que dizem e como vivem. A observação é o ponto de partida.” (FARKAS, 1972)

Luiza Furtado

Redatora

Estudante de Cinema da PUC-Rio. Redação e pesquisa em audiovisual. The sweet offering.