Biombo Escuro

26ª MOSTRA DE TIRADENTES

Amazônia, a nova minamata?

por Tiago Ribeiro

31/01/2023, Foto: Divulgação

Extraindo o ouro maldito

A interação dos seres humanos com o mundo biológico é uma que, em retrospectiva da história moderna, foi extremamente desvantajosa para os povos originários. Apesar de sua veneração e respeito pela natureza, os indígenas sofreram com a forma que o homem civilizado subjuga a natureza. Este fato tornou-se profundamente grave nos tempos da colonização portuguesa no Brasil, quando a transmissão de doenças como sarampo e varíola, muitas vezes através de supostos presentes, era utilizada como arma biológica para dizimar indígenas e roubar suas terras. Essa possibilidade de utilizar-se da própria natureza para guerrear e explorá-la é prática comum entre aqueles que veem o mundo como seu brinquedo.

Documentando um processo similar ao ocorrido no passado do Brasil, em "Amazônia, a nova Minamata?", Jorge Bodanzky explora os desdobramentos do garimpo ilegal em terras indígenas, intensificados profundamente após o afrouxamento de regulação e imposição da lei ocorridos durante o governo de Jair Bolsonaro. A maior questão investigada pelo filme é a contaminação por mercúrio ocorrida na bacia do rio Tapajós, fenômeno que vem trazendo consequências nefastas para os povos Munduruku, indígenas que vivem na região.

A proposta de Bodanzky é lançar luz e investigar a extensão das consequências da contaminação por mercúrio, que infecta a água e os peixes do Tapajós. Persiste na mente a imagem do mercúrio, utilizado pelos garimpeiros ilegais como método de separação para a obtenção de ouro, metal pesado dotado de um cinza assustador. Nesse contexto, há conversas com os próprios garimpeiros, que explicam o processo de extração e tentam justificar sua ação, contrapondo-se às graves imagens e relatos que mostram o sofrimento dos indígenas Munduruku. A presença dos dois lados não resulta em uma neutralidade, mas sim em uma compreensão mais abrangente do problema tratado, através do qual entendemos a ideologia que justifica a exploração e invasão de terras indígenas, existente em diversos discursos e ações desde os tempos da colonização.

Ainda nesse âmbito, Bodanzky trabalha dentro de seu filme com a documentação dos esforços do neurocirurgião Erik Jennings, que busca provas da correlação entre a infecção das águas do Tapajós por mercúrio e o aparecimento de males entre crianças Munduruku. Conseguimos ver, a partir de uma ameaça sofrida pelo neurocirurgião partida dos próprios indígenas pró-garimpo, o quão violenta é a ideologia colonialista e exploradora.

Mas o maior paralelo traçado é com a tragédia de Minamata, ocorrida na cidade japonesa localizada na costa da ilha de Kyushu. O acidente, decorrente de dejetos industriais despejados na baía de Minamata pela Chisso Corporation, trouxe imensos impactos para a população local, sendo um dos primeiros casos de acidentes ambientais causados por infecção de mercúrio na água. Bodanzky explora os paralelos entre as tragédias de Minamata e do Tapajós, lamentando a repetição da história.

O documentário nos deixa com a impressão de que o impacto do contato dos indígenas com os homens brancos acarreta em uma violência implícita, seja pela aculturação ou pela vontade de dominação. Nesse sentido, muito dos temas trabalhados em "Amazônia, a nova Minamata?" remetem às ideias que Luiz Bolognesi constrói em "Ex Pajé", que retrata o etnocídio sofrido pelos povos Paiter Suruí, principalmente a partir da comunidade evangélica que se instalou e tentou apagar a espiritualidade praticada pelos indígenas da região.

A aculturação do indígena é grave, não apenas por deslocá-los do modo de vida sagrado ao qual seus antepassados se dedicavam, mas por submetê-los a um modo de vida que os mata. O etnocídio aparece como caminho para o genocídio, e o que vemos em "Amazônia, a nova Minamata" parece apontar para consequências ainda mais graves da política praticada pela extrema direita, que abertamente estimulou e forneceu base para a expansão do garimpo.


Tiago ribeiro

Editor, Redator e Repórter

Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.