Biombo Escuro

Críticas

Desaparecidos

por Tiago Ribeiro

18/09/2022; Foto: A2 Filmes

Os mistérios de uma metrópole dessaturada

É um fenômeno da curiosidade cinematográfica o de filmar os embates e excentricidades da interação entre as diferentes instâncias de comportamento. Não existe algo como traduzir cultura, mas talvez as distinções das mesmas se evidenciem com maior veemência quando desafiadas pelo embate com diferentes expressões. Nesse sentido, o sentimento de se estar "perdido nas traduções" é um que intriga muitos cineastas, que retratam isso em seus filmes quando optam por gravar em países estrangeiros. Sofia Coppola explorou essa dimensão em seu filme Encontros e Desencontros(2003), no qual um ator consagrado encontra uma jovem em um hotel em Tóquio. Esse é um dos motes principais de Desaparecidos(2021), filme dirigido pelo francês Denis Dercourt, que escala a atriz Olga Kurylenko para interpretar uma doutora francesa chamada Alice Launey, que acaba se envolvendo em um caso misterioso de tráfico de órgãos em uma visita para palestrar em Seul.

Operando como um thriller, Desaparecidos soa como uma investigação científica, na qual o detetive Park Jin-Ho começa a trabalhar com a doutora Alice Launey, especialista no processo de "vitrificação", que envolve a preservação do corpo humano pós-óbito. O mistério perseguido pelo detetive é o de uma rede de tráfico de órgãos, cuja atuação tem chamado a atenção do departamento de polícia da capital sul-coreana.

Observamos todos esses jogos estabelecidos por Denis Dercourt através de uma fotografia fria, que estabelece a natureza hostil dessa cidade onde tais crimes são cometidos. A trilha sonora é pouco intervencionista, atuando apenas em momentos de maior tensão e para sincopar as pulsões de perigo sugeridas pelo diretor. É interessante notar a imagem da personagem de Olga Kurylenko andando pela metrópole dessaturada de Seul, perdida entre o ir e vir de uma cultura diferente e nos entremeios de ações de uma organização criminosa. O único problema é que há pouca harmonia entre esses caminhos de linguagem tomados por Desaparecidos.

Tendo isto em mente, Dercourt falha em criar atritos e fluidez com seu elenco, como fez Bong Joon-Ho em Memórias de um Assassinato(2003) trabalhando com códigos similares. O roteiro, escrito pelo próprio diretor junto de Peter May, acaba soando demasiado convencional, com poucos riscos, o que contamina todo o restante do filme. Falta a ousadia de filmar uma cena de ação como Diao Yi'nan em The Wild Goose Lake(2019), e a vontade de extrair o horror do suspense que David Fincher possui em Se7en(1995).

Haviam boas ideias e faíscas, mas Denis Dercourt entrega em Desaparecidos um filme com pouca força na encenação e nas operações de gênero que busca. O desafio de se conectar com a cultura de outro país é demasiado grande, e a câmera de Dercourt falha em ocupar um papel maior que o de uma co-produção turista, perdida entre os muitos cinemas possíveis que suas ideias sugeriam.


Tiago ribeiro

Editor, Redator e Repórter

Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.