Biombo Escuro

Estreias da Semana

Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu

por Bruna Britto

31/08/2022; Foto: Trombone Comunica

Bethânia tem o documentário de quem já é há muito tempo uma estrela em “Maria: Ninguém Sabe Quem Sou Eu”, de Carlos Jardim. A única entrevistada é Bethânia, que através de histórias íntimas de momentos de sua vida, explora fatias de sua trajetória e personalidade. O filme introduz elementos que são explorados em blocos posteriores, o que cria uma curiosidade e atmosfera da figura de Bethânia, como a religiosidade, logo pincelada e depois desenvolvida - marcando, assim, quase um clássico narrativo em documental. A entrevista, no teatro do Copacabana Palace, reveza com imagens de arquivo de shows e ensaios, cuja exclusividade é explícita. Esses, ilustram as falas e linha do tempo dos “melhores momentos'' da vida da artista.

Entretanto, os relatos, quando encostam em uma vulnerabilidade, são de imediato podados pela linguagem de TV. Provavelmente pela coprodução com canais televisivos e trajetória do diretor na televisão, há um problema estético e de formato a partir do que foi proposto: se o espectador começa o filme sem saber quem é Bethânia, termina da mesma forma. A impressão de que o filme mostrará quem é a cantora para além da carcaça da fama - sugerida pelo título e falas da cantora sobre “não ser uma estrela, e sim uma pessoa'' - vão em contramão da forma do filme. O ambiente controlado cria o oposto dessa mensagem: Bethânia é uma estrela, é a rainha de Copacabana, no palco do Copacabana Palace, relatando histórias íntimas que, sob o holofote do palco, diversos ângulos, cortes e fade-outs, têm a emoção podada. Assim, afastam o espectador, que ainda vê Bethânia em cima do palco.

Contrasta com a co-direção de Bressane e Eduardo Escorel de 1966, “Bethânia Bem de Perto”, da cantora no início do eterno auge, brincalhona nos backstages e nas fabulações da naturalidade de uma efervescente e política MPB. Os diretores filmaram o cotidiano artístico de Bethânia e exploraram pequenos detalhes, que acabam cumprindo a ideia de mostrar uma “verdadeira Maria” através da simplicidade de momentos de descontração. É a sinceridade em gestos e comportamentos. Os gestos, momentos de intimidade e ingenuidade de Maria jovem acabam sendo mais transparentes do que a rememoração e apresentação em um ambiente artificial.

Bethânia diz ser uma pessoa diferente na "vida'' e no palco, mas são nos arquivos crus dos shows que as vulnerabilidades da cantora ficam mais aparentes, justo nos momentos de brilho, destaque e performance. É simbólico que nesses momentos de exposição, ela goste de ficar com os pés descalços. Os footages mais rebeldes, com zooms e movimentos bruscos para acompanhar a cantora em movimento, contrastam com a formalidade estética da entrevista no Copacabana Palace, e acabam sendo os momentos de maior troca com o espectador, também, pelas músicas. Acontecem brutalidades estéticas opostas: as gravações dos shows, mais amadoras, e as interrupções das narrações de Maria Gross e Fernanda Montenegro em formato televisivo e jornalístico.

Assim, em “Maria: ninguém sabe quem eu sou”, a sensação final é a de saber curiosidades sobre a cantora - sua relação com a mãe, religião e poesia - , de encanto por Bethânia falando de si e de ter tido contato com um rico material de sua carreira artística, cumprindo o papel de uma boa matéria televisiva. Entretanto, não desnuda Maria, como sugere o título do filme, e talvez, seja minha expectativa com o cinema.