Biombo Escuro

Dimensões Políticas do Cinema Brasileiro

Burguesia x burguesia: Embate Pós-Moderno

por Alberto A. Mauad

25/10/2022

Impossível com você,

Impossível sem você,

tchau, amor”

No âmago de Tchau, amor (1982), encontramos um melodrama romântico e selvagem que propõe uma galhofada entre dois lados de uma mesma moeda burguesa. De uma parte temos Paulo (Antônio Fagundes), representando uma classe média anacrônica, conservadora, dos velhos costumes; do outro, temos Rejane (Angelina Muniz) uma mulher superficialmente independente e libertária, mas mimada pelo seu pai, Dr. Lima (Walter Forster), detentor de exacerbada quantidade de capital.

Acontece que Jean Garret constrói uma história de amor pessimista baseado nas hipocrisias da mediocracia paulistana. Em que, enquanto o protagonista masculino resolve o seu discurso com os velhos ideais dos bons costumes na frente da Angelina Muniz, alguns segundos depois ele irá trair a sua mulher com a mesma garota. Do mesmo modo que ela, referenciada por si própria como independente, recorre constantemente ao seu patriarcado por cabal apoio financeiro, à moradia e, às vezes, à trabalho.

Nas entranhas desse universo maneirista centrifugado, encontra-se a finalidade contextual social-econômica da obra. Tendo em vista que, os anos 80, retratam, acima de tudo, um tempo suspenso de mudança. É a transição integral do capitalismo tardio, em um mundo dinâmico e fragmentado. Por isso, se um dia Paulo já foi um locutor de sucesso, hoje ele é tratado como obsoleto, esquecido, e é demitido dentro do seu próprio programa de rádio. Do mesmo modo, podemos tirar tais conclusões com à súbita popularização das motos no longa-metragem, símbolo do progresso e avanço automobilístico. Ou então, na festa em que cada pessoa escuta as suas músicas no walkie-talkie, coisa que é possível enxergar em certos lugares na contemporaneidade.

Nada mais lógico e desolador, portanto, que esse conto de amor comece com Angelina Muniz salvando Antônio Fagundes de se matar – situação que se repetirá o filme inteiro –, e já denotando a questão da paixão inviável e passageira, tal qual Desencanto (David Lean, 1945), ou Douglas Sirk, ou Mizoguchi, ou Rainer Werner Fassbinder etc. Pois não há mais lugar para essa classe média pré-revolução cultural e sexual. O presente, agora, é a Rejane, personificação do fluxo de pensamento da pós-modernidade, Paulo precisa tentar se atualizar, corre constantemente atrás dela, ainda que tenha ressalvas diante de sua filosofia de vida tradicional, é tal dilema que compõe o drama do personagem. Apesar disso, Walter Forster, da quase mesma idade que Paulo, não precisa se preocupar tanto com os novos lugares do mundo tecnológico, já que ele é o grande detentor do capital, como um “self made man”, não há desassossego banal para quem já tem tudo do universo.

Tal questão sucinta bem o panorama cinematográfico da época. Dado que, Tchau, amor, pode ser visto como um sucessor espiritual de Noite Vazia (Walter Hugo Khouri, 1964) e São Paulo, Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person, 1965), sendo um palco para esse São Paulo decadente e assombrado do pós-industrial e estrutural. Do mesmo modo que, para além dessas analogias circunstâncias ambientais, temos o trabalho de imagem de segunda grandeza exercida por Jean Garret, esse plano intrinsicamente estilizado, desfigurado e referenciado. Posto isso, se podemos experienciar, aqui – ou em toda a obra do cineasta português –, um desejo de transmutação, exumar um sentimento, por horas, Hitchcockiano, (pós) marginal e classicamente melodramático, é porque Garret empresta toda a sua sensibilidade e autoconsciência pós-moderna a seus filmes. No fim, Tchau, amor, é o resultado total desse mundo fragmentado, poluído historicamente e visualmente, onde Angelina Muniz incorpora o cinema que veio depois, mas que sempre olha para o passado, na “impossibilidade de viver sem ou com”, em que a única saída possível é a morte.

Como supracitado anteriormente, para além do amor infactível, a obra é pessimista ao extremo. No final, para onde vamos? Estamos no controle de uma burguesia efemeramente transitória, indecisa, que briga entre si. Mesmo que não haja nenhum rastro de esperança no universo ou no relacionamento, a produção assume um lado dúbio e desagregado até nas relações sexuais dos personagens principais. Interessante que antes de qualquer ato, há reiteradamente uma pequena ação e/ou interação entre ambos, deixando a selvageria mais melosa. Ao mesmo passo que há uma violência demasiadamente sútil, intrínseca e natural na casa de Paulo, o sexo com Yara (Selma Egrei), sua mulher verdadeira, é sem música extra diegética alguma, sua propriedade é silenciosa, ouve-se só o barulho ambiente. Consequentemente, afetando o próprio modo de sentir a relação sexual indefinida dos amantes.

Como em Excitação (1976) e A Mulher que Inventou o Amor (1979), Tchau, amor, poderia ser mais um filme de terror do Jean Garret – que possuem um subtexto, até certo ponto, socialmente pós-moderno –, e não deixa de ser parcialmente um “Dr, Jekyll and Mr. Hyde” (Rouben Mamoulian, 1931). Todavia, aqui é um pouco mais além, ainda se consome uma história assombrosa e cômica sobre a era que chega e se transmuta constantemente, mas esse é, definitivamente, o mote principal. Dessarte, acaba sendo menos uma fábula do amor, e mais uma guerra de classes burguesa apaixonada pelo próprio inimigo, que desconstrói tudo à sua volta. Onde a única conclusão aceitável é que o terceiro mundo explodiu, e ainda explode até hoje.


Alberto A. Mauad

Redator

Estudante de cinema na PUC-Rio, redator do Biombo Escuro e cineasta. Tem interesse pelas áreas de linguagem, história e autorismo cinematográfico.