Biombo Escuro

Estreia da Semana

Ambulância - Um dia de Crime

por Alberto A. Mauad

24/03/2022; Foto: Divulgação

Michael Bay Desconstruindo Los Angeles

         Will Sharp (Yahya Abdul-Mateen II) é um herói de guerra, que convive com a esposa – Amy Sharp (Moses Ingram) – e a filha recém-nascida. Amy está a meses aguardando uma cirurgia vital para auxiliar no tratamento de seu câncer. Todavia, como os Estados Unidos carece de um sistema de saúde público sistemático e efetivo e, além disso, a sua família não possui condição financeira para pagar a operação, a única alternativa é a busca de assistência por meio do plano de saúde.

Consequentemente, compreendemos todo esse contexto narrativo ainda na cena inicial, intercalado por meio de flashbacks da vida do veterano e de Will, no presente, batalhando e discutindo ao telefone para tentar adquirir recursos monetários suficientes para pagar as despesas hospitalares necessárias. Acaba que, sem muitos esforços, tudo cai por terra, e o protagonista recorre a ajuda de seu irmão adotivo e criminoso Danny Sharp (Jake Gyllenhaal).

O personagem de Yahya também possui um passado de delitos e roubos a bancos. Contudo, ele eventualmente deserta de tal ambiente para, justamente, servir ao país no exército. Assim se evidencia o jogo de divergências entre os familiares, onde, à vista disso, Jake Gyllenhaal se transmuta como o antagonista carismático da película.

É pertinente relatar que, além de 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi (2016), o último filme do Michael Bay, Esquadrão 6 (2019), também já tratava da guerra em países do Oriente Médio de maneira mais frontal, de modo a ser uma pura analogia ao destino manifesto, contendo nas entrelinhas discursos cabalmente direcionados a era Trumpista. De forma minuciosa, Ambulância - Um Dia de Crime (2022) trabalha com questões pertinentes ao abandono dos veteranos estadunidenses. Bay é um patriota assumido e isso transcorre fluidamente nas suas obras. Portanto, visualizando de modo panorâmico as situações e movimentos que surgiram nos EUA durante a última década, fica evidente que não poderia ter sido mais nacionalista da parte do diretor reforçar essa crítica a uma estrutura sistemica que neglicencia tais soldados heróicos.

Há, destarte, um moralismo implícito, encarnado nas ações e eventos que ocorrem ao redor do herói americano. Will demonstra bastante culpa em várias ocasiões da realização, e, se ele sobrevive ao final, é porque a sua experiência e o seu modo altruísta expuseram os coadjuvantes. Principalmente a socorrista Cam Thompson (Eiza González), que é uma vítima do complexo social e governamental que é os Estados Unidos no presente.

Tratando do assalto em si, acaba sendo inevitável a comparação com Fogo Contra Fogo (Michael Mann, 1995), particularmente em como o embate bandido/policial atravessa as ruas e os mais variados cantos de Los Angeles, pois, em Ambulância - Um Dia de Crime, a cidade também é um personagem e têm a sua própria personalidade.

Assim, coloca-se em perspectiva o frenesi indefinido em que se passa o acossamento na cidade. Não há nada de exagerado em dizer que L.A. se expõe, na obra de Bay, como um lugar de constantes mudanças extremas. Todos os mecanismos da produção tomam tal rumo. Vai desde os coadjuvantes diversificados que se incorporam, até os bairros diferenciados que perpetuam e são palco da ação franca. Los Angeles, talvez a cidade mais conhecida dos EUA, é costumeiramente relembrada como uma área urbana de frequentes aditivos matizados. Por isso, o único modo de acompanhar tal ascensão é a unidade de saúde sendo obsessa brutalmente pela justiça.

Em vista disso, é possível afirmar que Michael Bay é um diretor que vai de referências diretas até um neo maneirismo; e em Ambulância - Um Dia de Crime, isso se revela como indubitável, dado que, estando em um contexto cinematográfico hollywoodiano vulgar, o cineasta têm um formalismo demasiadamente característico e perceptível em todas as suas realizações.

Contudo, o modo que representa a violência e as brigas, puxa consigo uma maximização de artifícios já batidos do cinema de ação contemporâneo norte americano. Desde planos hiper fechados que distorcem os corpos e os objetos, sempre trêmulos, a uma contemplação de explosões visualmente estimulantes, mesclados, outrossim, com visões subjetivas de equipamentos policiais, como a famigerada mira infravermelha.

Sendo assim, o filme de 2022 finaliza por expor um exercício interessante e, de certa forma, até experimental. Dado que, é revelado uma câmera cinematográfica exacerbadamente livre, ativa e vertiginosa, contendo-se apenas por intermédio da montagem. Entretanto, é uma decupagem cabalmente claustrofóbica e de mal-estar constante, não só por causa de como os cenários são articulados, mas, justamente, devido à essa nova reformulação do formalismo – entrelaçado à narrativa – do Michael Bay. Além disso, é deveras pertinente essa sensação de confinamento, já que, assim, transcende-se a esfera do real, onde a película foi filmada durante a quarentena do COVID-19.

Aliás, do mesmo jeito que Um Dia de Cão (Sidney Lumet, 1975) insere um microcosmo bastante único na sua mise-en-scène, Bay desenvolve universos associados em Ambulância - Um Dia de Crime que se intercalam entre o macro-micro. Isto desde as interações representadas de dentro da ambulância até com os indivíduos de fora dela, libertos pela cidade de Los Angeles, mas presos a uma perseguição sem fim.

Logo, é perceptível uma lógica que remete a uma cinematografia singular de Howard Hawks, onde os pequenos e fundamentais gestos, complementados por alguns diálogos, engendram e redistribuem a força primordial da obra. Tal qual quando o protagonista e o antagonista ouvem uma música dos anos 80 para desestressar durante a perseguição, e a operação realizada por Will e Cam.

Tudo é um grande espetáculo melodramático. À vista disso, mesmo que haja inúmeras situações hilárias, o que diferencia em enorme escala a película de 2022 com outras do cineasta autoral e vulgar, é o peso dramático dado ao fundo narrativo de cada personagem consciente e cativo naquele automóvel hospitalar de saúde. Cada arco assimila uma importância singular, mesmo que alguns sejam mais triviais, em que revelam e potencializam tal questão moralista e patriótica.

Ademais, os eventos cabais são, primordialmente, um elo para tornar a atenção e desdobrar novas situações que reforcem a interação de Yahya Abdul-Mateen II e Jake Gyllenhaal. Por mais que ambos sejam completamente diferentes, a sua história e vivências juntos são maiores que qualquer obstáculo. E não há mais nada hawksiano que isso, que esses contatos imperfeitos e, acima de tudo, humanos. Transcendendo o plano fílmico e divertindo-se com a química pesada dos atores que costumam trabalhar em papéis tão diversificados.

Para concluir, Michael Bay sabe como ninguém quem são os mitos fundadores de seu país, reconhecendo ela como uma instituição ainda “suja”. Mas ele notoriamente possui esperanças, por este motivo Will é a personificação da moral e da virtude, sendo o único dos irmãos que perdura no remate. O que não impede, como revela a película, uma discussão com aquele essencialmente oposto aos ideais norte americanos da ordem e do bem-estar, tendo em vista que não se pode abandonar a história de suas origens. Porém, lembre-se, para Bay é tudo um sacrifício, repleto de culpa e discussões, para o progresso do sonho americano. Logo, tomando nota das bases elementares da sociade, é simbólico posicionar um ator renomado, versátil e branco como o antagonista; assim como é especial o herói confuso ser negro; o agente do FBI ser homossexual; etc.


    Alberto A. Mauad

    Redator

    Estudante de cinema na PUC-Rio, redator do Biombo Escuro e cineasta. Tem interesse pelas áreas de linguagem, história e autorismo cinematográfico.